Uma Análise Crítica da Cobertura Midiática
No dia 12 de dezembro, durante um seminário realizado na Faculdade de Saúde Pública da USP, o jornalista e cientista social Claudio Bertolli Filho apresentou sua pesquisa intitulada “Quando a saúde pública virou sinônimo de crise: o SUS nas páginas da Folha (1983-1994)”. Este estudo histórico confirmou uma tendência alarmante observada nos meios de comunicação: um discurso quase unânime de deslegitimação do Sistema Único de Saúde (SUS) em favor da promoção da saúde privada.
Por meio de uma análise meticulosa de 7.756 textos, incluindo editoriais, colunas de opinião e reportagens, Bertolli revelou que todos os conteúdos estudados abordavam o SUS de forma negativa. A apresentação do trabalho ocorreu em uma mesa redonda dedicada à discussão de mídia, onde o ex-repórter da Folha destacou a questão: “O jornal sempre foi voltado para as classes A e B, e o setor privado de saúde sempre foi um anunciante importante. A mensagem era direcionada a um público que dificilmente utilizaria o SUS”.
O estudo abrange um período que antecede a criação do SUS, quando o sistema público era gerido pelo INAMPS, que não oferecia atendimento universal. A linha editorial da Folha, segundo Bertolli, sempre alinhou-se aos interesses da reforma neoliberal do Estado, que emergiu nos anos 1980 em países centrais do capitalismo e foi adotada pelo Brasil durante a redemocratização.
“Houve apenas um registro isolado, em uma publicação que circulou em São José dos Campos e Ribeirão Preto, na década de 1990, onde se entrevistou um gestor do SUS. Ele explicou a relevância do sistema de saúde pública. Contudo, de modo geral, a mensagem transmitida era a de que ir a um hospital público poderia ser mais arriscado do que vantajoso”, comentou Bertolli, que também é autor de um livro sobre a epidemia de gripe espanhola em São Paulo, em 1918.
Gabriel Brito, repórter que estava presente na mesa de discussão, também trouxe à tona a evolução da cobertura midiática sobre o SUS. Nos últimos tempos, a abordagem “antiSUS” parece ter dado lugar a um discurso mais conciliador, onde o setor privado é posicionado como um “parceiro” do sistema público. Essa ideia de que a saúde suplementar alivia a pressão sobre o SUS tem sido amplamente contestada por pesquisadores e especialistas em saúde pública.
A mudança de narrativa na mídia ganhou força especialmente após a pandemia, quando o SUS se destacou como um pilar essencial para a maioria da população brasileira. Contudo, a preocupação subjacente é que essa nova abordagem visa, na verdade, uma disputa pelo orçamento da saúde, através da privatização de equipamentos e serviços públicos.
Por último, Sérgio Gomes da Silva, um jornalista veterano com vasta experiência na área da saúde, sugeriu a criação de canais de comunicação diretamente nas unidades de saúde, como as unidades básicas de saúde. Essa proposta, além de modernizar a noção de transparência e participação social dentro do SUS, poderia fortalecer o vínculo entre o sistema de saúde e a população. Em um momento em que a maioria das pessoas tem acesso às ferramentas de comunicação, é fundamental que essa conexão seja ampliada para impactar positivamente a sociedade.

